Há quase nove anos no comando da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame vive uma espécie de inferno astral à frente do cargo. Antes aplaudido em restaurantes e escolhido como personalidade do ano - em especial após a tomada do Complexo do Alemão, em novembro de 2010 - o delegado federal começa a ver seu trabalho contestado nas redes sociais e tem sido alvo de duras críticas, não apenas de adversários políticos, mas do próprio prefeito da capital fluminense, Eduardo Paes. O esfacelamento de seu principal projeto de governo, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), e a explosão de violência pelas ruas do Rio, naturalmente, contribuem para o desgaste na sua imagem. Mas os problemas não param por aí. Desde 9 de setembro, Beltrame tem uma dor de cabeça a mais. O juiz da 7ª Vara de Fazenda Pública, Marcelo Martins Evaristo da Silva, transformou o secretário em réu em uma ação de improbidade administrativa na qual o Ministério Público pede a devolução de quase 135 milhões de reais aos cofres públicos.
A denúncia do promotor Rogério Pacheco Alves é referente ao superfaturamento em dois contratos de aquisição e manutenção de viaturas da PM. A Secretaria de Segurança do Rio divulgou nesta sexta-feira nota à imprensa na qual afirma que "o secretário de Estado de Segurança, José Mariano Beltrame, está à disposição para total esclarecimento dos fatos e aguarda notificação da decisão judicial".
No primeiro acordo, de número 30/2007, o montante no momento da assinatura, de 69,8 milhões de reais, logo ganhou um aditivo e saltou para 85,2 milhões de reais. Dessa quantia, a Secretaria de Segurança desembolsou 28,4 milhões de reais para adquirir os carros, e a manutenção custou outros 56,7 milhões de reais, o que levou o MP à conclusão de que, com este valor, seria possível adquirir mais dois carros zero quilômetro.
No segundo contrato, número 19/2008, o enredo se repetiu, só que com valores ainda mais elevados: os 88,8 milhões iniciais saltaram para 107,6 milhões de reais com um aditivo. Detalhe: a manutenção ficou mais cara: 78 milhões foram somente para a revisão dos agora 779 veículos, ou seja, cada viatura da PM passou a custar 3 300 reais por mês para os cofres do Estado.
Em sua defesa preliminar, Beltrame negou que tenha havido sobrepreço e alegou que "a substituição de um modelo ineficiente de gestão da frota de veículos" trouxe "inequívoca vantagem para a população - como redução das taxas de criminalidade". É inegável que, atualmente, a frota da PM apresenta poucos veículos caindo aos pedaços, o que era comum antigamente. Mas esses dados sobre a redução de criminalidade são contestáveis. O ano de 2014, por exemplo, registrou 158 078 assaltos pelas ruas do Rio de Janeiro, contra 124 087 de 2006, ano anterior à sua entrada na secretaria.
Junto com Beltrame figuram como réus neste processo nomes que também já apareceram sob suspeita em outros escândalos de corrupção. A primeira é Susy das Graças Almeida Avellar, assessora de planejamento do Detran entre 2003 e 2006. Ela chegou a ser afastada, mas na mudança do governo - Sergio Cabral assumiu o lugar de Rosinha Garotinho em 2007 - não ficou de mãos abanando. Susy virou subsecretária de Gestão Estratégica na Secretaria de Segurança, com Beltrame. Em agosto passado, ela foi absolvida da acusação de ter participado do 'Mensalão do Detran'.
Também aparecem como réus, além do próprio governo estadual, duas empresas que pertencem ao mesmo grupo Júlio Simões: a CS Brasil Transporte de Passageiros e Serviços e a JSL S.A, esta última acusada de montar um esquema de fraude em licitações para a aquisição de viaturas da PM na Bahia, que em 2009 resultaram na Operação Nêmesis, da Polícia Federal, que chegou a prender três coronéis, entre eles o ex-comandante geral da PM baiana.
O MP relata ainda que, no acordo firmado entre o Estado e as empresas, um sistema de gestão online deveria ter sido criado e compartilhado com a Diretoria de Apoio Logístico da PM. Assim, seria possível obter relatórios sintéticos e analíticos de cada veículo da frota. Durante quatro anos, o Estado pagou 100 000 reais por este sistema que inexistente. "Não tem controle algum quanto à prestação do serviço. Isso é um fato ainda mais grave", afirma o promotor Rogério Pacheco.
Ordem de secretário - No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tramitam outras duas ações distintas, relacionadas a seis diferentes contratos feitos por órgãos do governo com as empresas do grupo Júlio Simões. Todos de compra e revisão de viaturas, que somados chegam a 1,2 bilhão de reais. No processo 0145782.45.2014.8.19.0001, na 13ª Vara de Fazenda Pública, um dos réus é o coronel Álvaro Rodrigues Garcia, ex-chefe do Estado Maior Operacional da PM. Em 2010, quando um desses contratos com a CS Brasil foi prorrogado, o valor do acordo quase dobrou, passando para 214,4 milhões. Em sua defesa, o oficial da PM alegou que só assinou o contrato por determinação superior: "...houve determinação do então Exmo. Secretário de Segurança, doutor José Mariano Beltrame, que a PMERJ procedesse à renovação, o que foi feito de imediato..."
A partir do ano seguinte, a Casa Civil assumiu os contratos. Assim, o então secretário Régis Fichtner, braço direito do ex-governador Sergio Cabral, passou a assinar os acordos. E os valores se multiplicaram ainda mais. O de número 27/2011 chegou a incríveis 490,7 milhões de reais. Deste montante, 232,9 milhões foram destinados para a aquisição de 1508 veículos, uma média de 154 000 reais por carro. O Ministério Público também contesta esse contrato numa outra ação movida pelo promotor Salvador Bemerguy, da 7ª Promotoria de Tutela Coletiva. Um cálculo baseado na tabela Fipe mostra que, a preço de mercado, esses veículos sairiam, em média, por 67 000 reais cada, ou seja, houve sobrepreço de 130%.
Outros 257,7 milhões de reais deste contrato foram destinados à manutenção dos carros da PM pelo período de 60 meses, o que significava uma média de 2 800 reais mensais de revisão por veículo. Na renovação do acordo (contrato 35/2013), essa quantia deu mais um salto, destinando 162,5 milhões de reais para a manutenção de 1555 veículos durante um período menor, de 30 meses, um gasto médio de 3 800 reais por veículo todo mês. Para ilustrar o tamanho do superfaturamento, o Ministério Público comparou o contrato com outro, firmado pela Polícia Militar de Pernambuco. Lá, a manutenção de cada carro saiu por 391 reais por mês, quase dez vezes menos.
Fonte: VEJA
Nenhum comentário:
Postar um comentário