Em depoimento no dia 25 de março de 2011, a juíza Patrícia Acioli,, contou à Corregedoria Interna da Polícia Militar que o principal motivo do fim do relacionamento com o cabo da PM Marcelo Poubel Araújo, com quem "viveu maritalmente" por cinco anos, foi a ingerência do militar nos processos que ela julgava sobre "autos de resistência" - execuções sumárias camufladas pelos policiais após troca de tiros. Ela declarou que Poubel "defendia os colegas de farda".
O depoimento faz parte da sindicância aberta na 2ª Delegacia de Polícia Judiciária, subordinada à corregedoria, para apurar as suspeitas de agressão corporal, invasão de domicílio e ameaça de morte praticadas pelo cabo Poubel, no dia 2 de fevereiro, contra a juíza e o então namorado, o inspetor penitenciário Dayvid Eduardo Nunes Martins. Ele teria entrado na casa da juíza, em Piratininga, e surpreendido os dois no quarto.
Cabo PM Marcelo Poubel no enterro da juíza
Juíza foi vista com ferimento
Patrícia negou as agressões, mas o subtenente Marcos Antônio Fernandes, que atendeu à ocorrência de Piratininga, declarou que encontrara a juíza na porta de casa "de cabelos molhados, sinal de que havia acabado de tomar banho, e com um corte no rosto, que ainda sangrava". Ela não autorizou a revista na residência, e Poubel só se apresentou dias depois.
À sindicância, Patrícia disse apenas que Poubel era submetido, desde 2006, a tratamento psiquiátrico e psicológico, pois desenvolvera trauma após sofrer "profunda antipatia dos colegas de farda" no 7 BPM (São Gonçalo), onde era lotado. A origem desta hostilidade seria a atitude da juíza, como ela própria descreveu, ao condenar policias militares envolvidos com grupos de extermínio.
Porém, no mesmo depoimento, ela admitiu que Poubel passou a discordar das sentenças contra PMs.
Na madrugada de sexta-feira, pouco depois da execução da juíza, o cabo esteve no local do crime. Após gritar "Pati, estou aqui", vaticinou:
- Agora, eu sou o bola da vez. Vão me pegar.
Poubel tinha uma mesa no gabinete da juíza, onde comparecia fardado. Não saía dali nem nas conversas mais reservadas e demonstrava intimidade ao abrir as gavetas de Patrícia, para pegar chaves e papéis.
Há cinco anos, o cabo foi baleado na Rodovia Niterói-Manilha, na altura do Bairro Boa Vista, enquanto pilotava uma moto Honda Twister. Dois homens, também de moto, mas sem placa, aproximaram-se e o atingiram no braço esquerdo.
Já o caso da agressão domiciliar só chegou ao conhecimento da polícia por iniciativa do inspetor penitenciário. No boletim de ocorrência 00364/0081/2011, da 81ª DP (Itaipu), Dayvid relata que Poubel, após invadir o quarto, tomar-lhe a arma durante briga corporal e obrigar o casal a ficar de joelhos, passou a agredi-los com socos e chutes, além de "puxões de cabelo" na juíza.
Inspetor relatou agressão
Ao repetir o que sofrera à sindicância, em depoimento no dia 5 de fevereiro, o inspetor contou que o militar ameaçara "sufocar Patrícia com um saco plástico, pois sabia que ela tinha pavor desta prática". Poubel, segundo o relato do inspetor, também teria se deitado na cama e apontado a arma para a porta, supostamente para forjar uma troca de tiros antes de matar o casal.
- Ele disse que era o rei da forjação (sic) - disse Dayvid.
O inspetor fez exame de corpo de delito. Ele foi atingido no maxilar, nas costelas e teve o nariz quebrado. Conta que, desde então, tem medo de continuar morando em São Gonçalo. Não há, contudo, prova material na sindicância sobre a agressão à juíza.
Dayvid começou a namorar a Patrícia em janeiro e, nessas condições, compareceu ao gabinete da magistrada, no dia 2 de fevereiro, atendendo a uma intimação assinada por ela à chefia do inspetor.
Na intimação, anexada à sindicância, Patrícia alegou que queria a presença de Dayvid para depor no processo que investiga a morte de Alexandre Thome Ivo Rajão, jovem de 14 anos massacrado por um grupo supostamente rival em São Gonçalo.
Conhecida por ser linha-dura, Patrícia, de 47 anos, era uma espécie de arqui-inimiga dos maus policiais. Estima-se que tenha condenado mais de 60 deles nos últimos dez anos de atuação. Ela ingressou na magistratura em 14 de dezembro de 1992. Antes de ir para a área criminal, trabalhou no Juizado da Infância e da Juventude. Desde 1999, estava à frente de centenas de processos na 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, agindo principalmente no combate a milícias, grupos de extermínio e máfias do transporte alternativo e do óleo (o grupo roubava combustível de navios). No início da carreira, quando foi defensora pública, ela já teria sofrido um atentado.
Patrícia tinha três filhos, de 10 a 20 anos. Ela gostava de exibir fotos deles no celular. Quando estava com os amigos, longe do fórum, esquecia o ar solene do tribunal e gostava de usar jeans e camiseta. Os colegas da pós feita na UFF dizem que ela não bebia, o que não a impedia de ir a barzinhos para bater papo. Nunca falava sobre as ameaças, mas tinha verdadeira paixão pela magistratura e falava empolgada sobre o resultado de algumas sentenças.
Chegou a relatar uma investigação sobre policiais militares acusados de um assassinato em que ela foi até o local ajudar na coleta de provas, acompanhando a polícia. Era comum também tomar depoimentos na casa de vítimas.
- Ela ia junto com os policiais, tamanha vontade que tinha de elucidar os crimes. Não tinha pose, colocava a mão na massa - disse um amigo dos tempos de faculdade.
Outra colega da pós-graduação, psicóloga, classificou a juíza Patrícia Acioli como uma mulher vaidosa, mas sem excessos, e muito bem-humorada:
- Nos divertíamos muito. Ela era muito simples e alegre. Acho que carregava um peso tão grande que precisava respirar, dar uma relaxada.
O GLOBO