Um mês após um atentado que sofreu em Copacabana, Zona Sul do Rio, o blogueiro Ricardo Gama ainda se recupera dos seis tiros que levou (dois de raspão). Em entrevista exclusiva ao
SRZD, o advogado por formação detalhou os minutos que antecederam o crime e faz uma denúncia: "Até hoje eu não fui chamado para um depoimento formal, para uma perícia, para um exame de corpo de delito. Já faz um mês. Eu nunca recebi uma carta dizendo 'favor compareça...'".
O blogueiro afirma que as investigações estão quase paradas. Afirmou ainda que quem tentou matá-lo não fará novamente, por ter repercutido, mesmo considerando que grande parte da imprensa não está em cima do fato. Sobre a tentativa de assassinato, Ricardo Gama disse que nunca pensou que poderia ser uma vítima, apesar de amigos e leitores já terem avisado do que poderia acontecer por causa de suas opiniões consideradas pesadas contra o governo do estado do Rio de Janeiro.
Ricardo Gama fala que por ter sido do Partido da República, o PR (disse não ser mais), não tira as palavras do governador Sérgio Cabral, em que disse que um morador do conjunto de favelas do Alemão, na Zona Norte da cidade, era otário e sacana. "Quero dizer que os seis tiros que eu tomei são justificáveis por eu ser filiado a um partido. São essas colocações que eu não consigo entender muito bem".
O delegado titular da 12ª DP, Antenor Lopes Martins Junior, responsável pelas investigações do atentado sofrido por Ricardo, informou que não dará informações sobre o caso enquanto as investigações não forem concluídas.

SRZD - Como está seu estado de saúde? Você continua com o tratamento médico?
Ricardo Gama - Estou fazendo tratamento. Eu estou em casa, mas estou em repouso. Estou tentando dar umas "blogadas" de leve. Estou fazendo um monte de exames, o médico vai olhar minha cabeça de novo. O negócio foi pesado, mas estou me recuperando, graças a Deus.
SRZD - Você recebia muitas ameaças antes do atentado?
Já recebi várias ameaças de morte por e-mail, nos comentários do meu blog. Sempre diziam: "Ricardo Gama vai morrer, Ricardo Gama vai morrer", mas eu nunca levei isso a sério. Os amigos já disseram para eu tomar cuidado. Mas o máximo que achava que ia acontecer é eu tomar umas pancadas, alguém me cercar em um beco, me dar um chute. Mas seis tiros, nunca esperava.
SRZD - Você pode relatar como foram os minutos antes de tudo ocorrer?
Ricardo Gama - Eu saí de casa. Parei na banca para comprar dois jornais. Quando eu atravessei o túnel que separa a praça do Bairro Peixoto e a (rua) Santa Clara, eu ouvi um barulho de tiro, aí deram mais cinco tiros. Foram seis tiros ao todo: quatro acertaram em mim e dois foram de raspão. Foi um tiro na cabeça por trás, outro tiro por trás também que acertou minha orelha e destruiu meu maxilar, um no pescoço e um no braço. Eu caí, não conseguia andar, mas estava lúcido. Chamaram o Samu, mas fui ao Copa D'Or, que é do lado. Pedi para ligarem para minha casa. Minha mulher desceu desesperada, me pegaram, me colocaram dentro do carro e me levaram. Tive muita sorte.
SRZD - Você passou a ter um temor maior de represália depois de divulgar o vídeo em que Cabral chama o garoto de otário?
Ricardo Gama - Esse vídeo me deu uma certa notoriedade, inclusive eu sou testemunha no processo de investigação eleitoral há oito meses. Eu não acuso ninguém, mas depois que você leva seis tiros você começa a desconfiar de todos. O que aconteceu comigo foi um crime contra a liberdade de expressão, e que as autoridades deveriam dar prioridade para esclarecer. A gente sabe que quando o governo quer o governo apura. Um exemplo é o caso da escola de Realengo, que foi muito bem apurado. Eles conseguiram até descobrir quem tinha vendido as armas para aquele maluco.
SRZD - Antes do atentado, você ia para a rua e fazia vídeo em cima dos fatos e assim os comentava. Você pretende continuar com esse formato e com a mesma frequência?
Ricardo Gama - Vou continuar, sim. Não vou mudar em nada. Agora, sair na rua, eu saio com mais cuidado, mas só não estou fazendo vídeo, porque eu preciso descansar, mas em breve eu vou voltar ao normal e com mais força. Acho difícil que quem fez esse atentado vai fazer de novo. Se fizer de novo, aí vai ficar complicado. Aí a própria imprensa vai acabar tendo que cobrir.
SRZD - Houve uma mudança entre o Ricardo antes do atentado e o Ricardo depois? Fez você repensar muitas coisas?
Ricardo Gama - Faz a gente ver que mesmo vivendo em 2011, depois de décadas de ditadura, não é tão democraticamente como a gente acha que é. Achei que o máximo que aconteceria com meu blog é ser processado, como já fui uma vez. A gente sabe que existe um grupo de pessoas que está disposto a calar à base de violência. Hoje fui eu, depois é um jornalista, como aconteceu com Tim Lopes. É o preço da notícia.
SRZD - Você, mesmo não sendo da chamada "imprensa oficial", mostrou que muitas coisas não são veiculadas. Os blogs têm pouca visibilidade?
Ricardo Gama - Eu sempre acreditei na internet. A rede é forte, mesmo que meia dúzia de pessoas fiquem incomodadas ao ponto de fazerem o que tentaram fazer. Há um mês atrás saiu uns dados em que as empresas de propagandas investiram mais em sites de notícias do que em impressos. A internet superou e dificilmente os jornais escritos conseguirão ocupar esse espaço. Isso é uma tendência. Mas será que esses veículos irão conviver harmoniosamente? Ela vai trazer benefício e muitos problemas.
SRZD - Você é do PR. A maioria de suas críticas é contra o atual governo do estado. As pessoas criticam isso?
Ricardo Gama - Já fui do PR. Se você pegar meu blog, você vai ver que 80% é crítica ao governo do estado. Quando eu coloquei o vídeo do Leandro, em que Cabral o chama de otário e de sacana, a primeira coisa que o governador veio falar foi que isso partiu de um blogueiro que é filiado a um partido da oposição. Na época eu era do PR. Mas quer dizer então que o fato de eu ser filiado na época ao PR, isso abafa as palavras que o Sérgio Cabral diz? Quer dizer que os seis tiros que eu tomei são justificáveis por eu ser filiado a um partido? São essas colocações que eu não consigo entender muito bem. Até hoje eu não fui chamado para um depoimento formal, para uma perícia, exame de corpo de delito. Já faz um mês. Eu nunca recebi uma carta dizendo "favor compareça...". O médico que fala "entrou uma bala por aqui, entrou uma bala por ali". Os médicos que ficam especulando, e eles não são peritos. Na semana que vem, vou na delegacia. Isso tudo é muito estranho.
SRZD - Está tendo alguma proteção do estado no momento? Se sim, não teme ser protegido por quem você suspeita que tenha te atacado?
Ricardo Gama - Não. Eu tenho minhas teorias conspiratórias, mas eu acho que não. Imagina: blogueiro toma seis tiros e sobrevive. Dois meses depois, toma dois tiros e morre. Eu acho que eu deveria ter proteção, mas o Estado tem condição de dar proteção para mim? Como vou pedir proteção se a maioria da população não tem proteção? A situação está caótica em tudo quanto é lugar. É complicado. Vi uma reportagem dizendo que o Programa de Proteção à Testemunha está falido.
SRZD - Qual o recado que dá para quem cometeu o atentado contra você?
Ricardo Gama - Não existe crime perfeito. Mais cedo ou mais tarde se descobre. Então, não é bom tentar de novo.
SIDNEY REZENDE